sábado, 26 de novembro de 2011

Mulheres em Situação de Violência Doméstica: Um Desafio para a Saúde Pública

                                                                                                                                                                              Dirlene Sauzem Machado

Este trabalho tem por objetivo tratar sobre o tema da violência, porém sobre um enfoque mais especializado, a violência doméstica contra a mulher, em vista de que esta tem se tornado uma constante na sociedade, com altos índices de ocorrência o que resulta na sua banalização social.
Ao abordar o tema violência de modo geral pode-se dizer que este é um tema muito abordado pela mídia e trabalhado por inúmeros pensadores de áreas diversas. Sendo que a palavra violência denota grande alargamento de nomeações, que vão desde as formas mais cruéis da tortura e do assassinato em massa, até aspectos mais sutis, mas considerados opressivos na vida moderna cotidiana, como a burocracia, a má distribuição de renda, certas normas culturais, entre outros. (SCHRAIBER, L. B., D'OLIVEIRA, A. F. L. P., 1999)
Já a violência doméstica, mais especificamente, até meados de 2006 não tinha nenhum espaço social e campo específico de intervenção e saberes que tomasse este tema como objeto seu, como objeto de estudos e intervenção. Somente dois campos abordavam este tema até a década de 90, inicialmente a justiça com inicio na década de 80 e a saúde em meados da década de 90, porém as duas são podem ser consideradas ‘rotas imperfeitas’. (SCHRAIBER, L. B., D'OLIVEIRA, A. F. L. P., 1999)
O combate à violência doméstica é um desafio tem tomado um âmbito social há pouco tempo através de reivindicações de organizações feministas e mulheres que começaram a denunciar a violência que sofriam dentro dos lares, por que anteriormente era mantida em caráter privado entre marido e mulher, isto fez com que o governo passasse a elaborar políticas públicas que dessem conta deste até então, problema social. Assim em agosto de 2006 é sancionada, depois de muitos anos de luta, a Lei Maria da Penha com o objetivo de coibir, punir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher. De acordo com ela:
Toda mulher, independente de classe, raça, etnia, orientação sexual, renda, cultura, nível educacional, idade e religião, goza dos direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sendo-lhe asseguradas as oportunidades e facilidades para viver sem violência, preservar sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual e social. (Art.2º, lei 11.340, 2006)

Para efeitos da Lei Maria da Penha a violência doméstica pode ser entendida como qualquer ‘ação’ ou ‘omissão’ que resulte em lesão física, psicológica, sexual, patrimonial e moral, sendo a ocorrência destas tanto em âmbito familiar, na unidade doméstica ou em qualquer relação íntima de afeto independente de coabitação. (Art. 5º, lei 11.340, 2006)
A partir da criação da Lei Maria da Penha a violência contra a mulher passa a ser um problema social e também jurídico, pois ela prevê tanto as penalidades para o agressor quanto as medidas que devem ser tomadas para a manutenção da saúde física e psicológica da mulher. O seu art. 29 prevê qual a equipe que deve fazer o atendimento desta mulher que está em situação de violência, sendo uma equipe multidisciplinar composta por especialistas nas áreas psicossocial, saúde e jurídica.
A implantação da Lei Maria da Penha certamente ampliou o olhar da sociedade sobre esta mulher que está sofrendo violência, pois desde então tem surgido inúmeras políticas públicas e organizações com intenção de proteger esta mulher dando auxílio jurídico, psicológico e médico.
Em Santa Maria no Rio Grande do Sul, por exemplo, existe a ‘Casa de passagem Aconchego’ que tem por objetivo acolher estas mulheres e seus filhos até que restabeleçam suas relações afetivas e ganhem autonomia, beneficiando-lhes com atendimento médico, psicológico e jurídico. Inaugurada em 2010, por iniciativa da Prefeitura Municipal, juntamente com outros órgãos como a Delegacia da Mulher, o CREAS-Centro de Referência Especializado em Assistência Social, o CRAS-Centro de Referência em assistência Social, a Secretaria de Saúde do Município, o Conselho Municipal dos Direitos da Mulher e o Hospital Universitário de Santa Maria (HUSM) tenta propiciar a mulher as condições necessárias ao seu bem-estar físico, psíquico e social, num ambiente de segurança e tranqüilidade.  (SANTA MARIA, 2010)
Infelizmente a Lei Maria da Penha ainda não conquistou a confiança de 100% das mulheres, pois ainda existem muitos casos em que a mulher se vê num sentimento de dependência afetiva ou econômica e vergonha que acaba por suportar a violência calada, se mantendo neste sofrimento.
De acordo com (ATALLA, Andréa Direne; AMARAL, Sérgio Tibiriçá):

A vítima de violência doméstica sempre tem sua auto-estima deteriorada e uma forte dependência afetiva ou financeira. A maioria das mulheres pertencentes à classe social baixa não denunciam a violência por medo de não conseguirem prover o seu próprio sustento e o de seus filhos. (pg.7)

De acordo com a mesma autora muitas mulheres também devido à criação familiar que as educaram para realizar seu papel de boa esposa, ainda pensam em constituir uma família juntamente com o esposo e evitam expor alguma violência que tenham passado, talvez por vergonha em passar por algum julgamento moral da sociedade. Outras já foram criadas em meio a uma família agressiva e acabam por achar isto normal.
Além disso, de acordo com Matos (2003) citado por Pinto, J.M.C (2009) a violência doméstica deixa muitos problemas tanto físicos (como hematomas, fraturas, morte), como psicológicos de natureza cognitiva e de memória (confusão mental, imagens intrusivas, memórias recorrentes do trauma, dificuldades de concentração, crenças incapacitantes sobre si e os outros) que comprometem essencialmente a tomada de decisão; os comportamentos depressivos (vergonha, isolamento, sentimento de culpa, baixa auto-estima); os distúrbios de ansiedade (medo, percepção de ausência de controle, fobias, ataques de pânico, taquicardia), entre outras manifestações, como as alterações na sexualidade, dependência de substâncias, alterações do padrão do sono e apetite, além de interferir em sua vida pessoal. (pg. 34)
Segundo Lagerback (1995) citado por Pinto, J.M.C (2009) a mulher vítima de violência passa por crises e que há quatro fases pré-determinadas que esta apresenta:
- 1ª fase: O estado de choque, que pode ser vivenciado de maneiras variadas dependendo da pessoa e tem como principais sintomas ataques de choro, a sensação de vazio, o pânico e a hipersensibilidade.
- 2ª fase: Manifestação dos mecanismos de defesa para se proteger do impacto do acontecimento traumático. Negação, intelectualização e repressão da experiência são alguns dos exemplos de como a mente tenta aliviar a dor e angústia provocada pelo agressor.
-3ª fase: Devido ao esforço em utilizar dos mecanismos de defesa para esconder a sua dor, as mulheres vítimas de violência acabam por perder o controle de suas emoções, ou denotam alterações comportamentais;
-4ª fase: Corresponde à reação das vítimas perante o apoio psicoterapêutico. Quando este é bem-sucedido, elas entram numa nova fase de reestruturação e de orientação dos seus problemas, criando novas formas de linguagem emocional.
Portanto através destas afirmações pode-se detectar a importância do psicólogo na equipe multidisciplinar para tratar e proteger essas mulheres, iniciando pela possível mudança dessas crenças que perpetuam por várias gerações para então estimular a autonomia da mulher, para que denuncie a violência que sofre ou quando vir a sofrer.
E embora a Lei Maria da Penha já tenha atingido uma grande porcentagem da população ainda falta muito para que a sociedade e os órgãos públicos estejam preparados para receberem toda a demanda de mulheres que sofrem com a violência doméstica. Sendo que considero que tudo deve começar pela preparação dos profissionais que vão dar suporte e auxílio para esta mulher, sendo o investimento na formação acadêmica e profissionalização dos agentes de saúde, pois estes é que vão fazer seu acolhimento e lhe mostrar que é possível começar novamente.

“Quando o mal se banaliza, há um momento de profunda barbárie dominando a sociedade, e que neste momento a sociedade tem duas opções, ou se encaminha para a civilização ou parte direto para a barbárie e aí não há direito que dê jeito. Porque a idéia de justiça se terá perdido nessa sociedade e a idéia de justiça só se concretiza com a solidariedade dominando todas as formas de relações sociais”
Hannah Arendt, “a pensadora da liberdade”.



REFERÊNCIAS:
- ATALLA, Andréa Direne; AMARAL, Sérgio Tibiriçá: Violência doméstica contra a mulher: Aspectos econômicos, sociais, psicológicos e políticos do agressor e da vítima. Disponível em: http://intertemas.unitoledo.br/revista/index.php/ETIC/article/viewFile/939/910. Acesso em: 24 de novembro de 2011.

- PINTO, J.M.C (2009) Impacto psicológico e psicopatológico da violência conjugal em mulheres vítimas acolhidas em casas de abrigo. Estudo exploratório em duas casas de abrigo do Grande Porto. Tese de mestrado em medicina legal, Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar - Universidade do Porto, Abril, 2009. Disponível em: http://repositorio-aberto.up.pt/itstream/10216/19364/2/Tese%20de%20Mestrado% 202006%202008.pdf. Acesso em: 25/11/2011

- SANTA MARIA (2010) JACQUES, J. V. Mulheres vítimas de violência já contam com local seguro para acolhimento. Prefeitura de Santa Maria, 2010. Disponível em: http://www.santamaria.rs.gov.br/index.php?secao=noticias&id=20440&arq_db=1. Acesso em: 25/11/2011.

- SCHRAIBER, L. B., D'OLIVEIRA, A. F. L. P., (1999) Violência contra mulheres: Interfaces com a saúde. Comunicação, Saúde, Educação, v.3, n.5, 1999. Disponível em: www.interface.org.br/revista5/ensaio1.pdf Acesso em: 22/11/2011.


Um comentário:

  1. Oii Didica :)
    Parabéns pelo seu trabalho, gostei muito; está bem explicativo e soube explanar bem os diferentes conhecimentos sobre tal temática.

    Um dos motivos que me levou escolher seu post para comentar, é que veio à calhar bem com a apresentação de trabalho (sobre as Leis na disciplina do prof.Douglas)de hoje do grupo sobre a mesma lei que está em pauta aqui - Lei Maria da Penha.Quando começou a apresentação me lembrei, e até comentei com a Daiane :" Báh, que pena que a Dirlene não está aqui hoje....", hehehhe.
    Achei interessante por a maioria das ideias descritas aqui, também se mostrou presente ontem na aula (dia 02/DEZ/2011); a saber : o modo como a violência doméstica se apresenta na sociedade, na relação de um casal, sobretudo, as causas e conseqüências de tais atos.
    Podemos pensar o quanto de campo que o profissional de psicologia tende percorrer para dar conta , pelo menos no mínimo, das demandas advindas de quem sofre por ser violentada.
    Outra informação que recebi é que,atualmente, no município de Santa Maria, há cerca de 220 denúncias por dia de mulheres que são violentadas pelos seus companheiros. Imagina, então, quanto é o nº de mulheres que sofrem com isso e por algum motivo não faz a denúncia.
    Através dessas perspectivas e outras, percebe-se o quanto podemos problematizar ainda mais este campo, com inúmeros atravessamentos, e atuar de alguma forma para auxiliar na recuperação biopsicossocial dessas mulheres vítimas de violência.

    Grande beijo e ótimo find :)

    Natielle Lopes Borges

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